O SANTÍSSIMO
SACRAMENTO
A EUCARISTIA.
Catecismo Maior de São Pio X
Cân. 898 — Os
fiéis tenham em suma honra a santíssima Eucaristia, participando ativamente na
celebração do augustíssimo Sacrifício, recebendo com grande devoção e com
frequência este sacramento, e prestando-lhe a máxima adoração; os pastores de
almas, ao explanarem a doutrina sobre este sacramento, instruam diligentemente
os fiéis acerca desta obrigação.
1.
DA NATUREZA DA SANTÍSSIMA EUCARISTIA E DA PRESENÇA REAL DE JESUS CRISTO NESTE
SACRAMENTO
A Eucaristia é um
Sacramento que, pela admirável conversão de toda a substância do pão no Corpo de
Jesus Cristo, e de toda a substância do vinho no seu precioso Sangue, contém
verdadeira, real e substancialmente o Corpo, Sangue, Alma e Divindade do mesmo
Jesus Cristo Nosso Senhor, debaixo das espécies de pão e de vinho, para ser
nosso alimento espiritual.
Na Eucaristia está
verdadeiramente o mesmo Jesus Cristo que está no Céu e que nasceu, na terra, da
Santíssima Virgem Maria.
Eu acredito que no
Sacramento da Eucaristia está verdadeiramente presente Jesus Cristo porque Ele
mesmo o disse, e assim no-lo ensina a Santa Igreja.
A matéria do Sacramento da
Eucaristia é a que foi empregada por Jesus Cristo, a saber: o pão de trigo e o
vinho de uva.
A forma do Sacramento da
Eucaristia são as palavras usadas por Jesus Cristo: ‘Isto
é o meu Corpo; este é o meu Sangue.
A hóstia antes da
consagração é pão de trigo. Depois da consagração, a
hóstia é o verdadeiro Corpo de Nosso Senhor Jesus Cristo, debaixo das espécies
de pão.
No cálice antes da
consagração está vinho com algumas gotas de água. Depois da consagração, há
no cálice o verdadeiro Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, debaixo das espécies
de vinho.
A conversão do pão no
Corpo e do vinho no Sangue de Jesus Cristo faz-se precisamente no ato em que o
sacerdote, na Santa Missa, pronuncia as palavras da consagração.
A consagração é a
renovação, por meio do sacerdote, do
milagre operado por Jesus Cristo na última Ceia, quando mudou o pão e o vinho no
seu Corpo e no seu Sangue adorável, por estas palavras: ‘Isto
é o meu Corpo; este é o meu Sangue’.
Esta miraculosa
conversão, que todos os dias se opera sobre os nossos altares, é chamada pela
Igreja de transubstanciação.
Foi o mesmo Jesus Cristo
Nosso Senhor, Deus onipotente, que deu tanta virtude às palavras da consagração.
Depois da consagração ficam
só as espécies do pão e do vinho. Dizem-se espécies a quantidade e as qualidades
sensíveis do pão e do vinho, como a figura, a cor e o sabor. As espécies do pão
e do vinho ficam maravilhosamente sem a sua substância por virtude de Deus
Onipotente.
Tanto debaixo das espécies
de pão, como debaixo das espécies de vinho, está
Jesus Cristo vivo e todo inteiro com seu Corpo, Sangue, Alma e Divindade. Tanto
na hóstia como no cálice está Jesus Cristo todo inteiro, porque Ele está na
Eucaristia vivo e imortal como no Céu; por isso onde está o seu Corpo, está
também o seu Sangue, sua Alma e sua Divindade; e onde está seu Sangue está
também seu Corpo, sua Alma e Divindade, pois tudo isto é inseparável em Jesus
Cristo.
Quando Jesus está na
hóstia, não deixa de estar no Céu, mas encontra-se ao mesmo tempo no Céu e no
Santíssimo Sacramento.
Jesus Cristo está em todas
as hóstias consagradas por efeito da onipotência de Deus, a quem nada é
impossível. Quando se parte a hóstia, não se parte o Corpo de Jesus Cristo, mas
partem-se somente as espécies do pão. O Corpo de Jesus Cristo fica inteiro em
todas e em cada uma das partes em que a hóstia foi dividida. Tanto numa hóstia
grande como na partícula de uma hóstia, está sempre o mesmo Jesus Cristo.
Conserva-se nas igrejas a
Santíssima Eucaristia para que seja adorada pelos fiéis, e levada aos enfermos,
quando necessário.
A Eucaristia deve ser
adorada por todos, porque Ela contém verdadeira, real e substancialmente o mesmo
Jesus Cristo Nosso Senhor.
2. DA
INSTITUIÇÃO E DOS EFEITOS DO SACRAMENTO DA EUCARISTIA
Jesus Cristo instituiu o
Sacramento da Eucaristia na Última Ceia que celebrou com seus discípulos, na
noite que precedeu sua Paixão. Jesus Cristo instituiu a Santíssima Eucaristia
por três razões principais:
1. para ser o
sacrifício da Nova Lei;
2. para ser alimento
da nossa alma;
3. para ser um
memorial perpétuo da sua Paixão e Morte, e um penhor precioso do seu amor para
conosco e da vida eterna.
Jesus Cristo instituiu este
Sacramento debaixo das espécies de pão e de vinho porque a Eucaristia devia ser
nosso alimento espiritual, e era por isso conveniente que nos fosse dada em
forma de comida e de bebida.
Os principais efeitos que a
Santíssima Eucaristia produz em quem a recebe dignamente são estes:
1. conserva e aumenta
a vida da alma, que é a graça, assim como o alimento material sustenta e aumenta
a vida do corpo;
2. perdoa os pecados
veniais e preserva dos mortais;
3. produz consolação
espiritual.
A Santíssima Eucaristia
produz em nós outros três efeitos, a saber:
1. enfraquece as
nossas paixões, e em especial amortece em nós o fogo da concupiscência;
2. aumenta em nós o
fervor e ajuda-nos a proceder em conformidade com os desejos de Jesus Cristo;
3. dá-nos um penhor
da glória futura e da ressurreição do nosso corpo.
3. DAS
DISPOSIÇÕES NECESSÁRIAS PARA BEM COMUNGAR
Para fazer uma comunhão bem
feita, são necessárias três coisas:
1. estar em estado de
graça;
2. estar em jejum
desde a meia-noite até o momento da comunhão* (*esta
lei não está mais em vigor, bastando, atualmente, o jejum de uma hora);
3. saber o que se vai
receber e aproximar-se da sagrada comunhão com devoção";
"Estar em estado de
graça" quer
dizer: ter a consciência limpa de todo o pecado mortal.
Quem sabe que está em
pecado mortal deve fazer uma boa confissão antes de comungar; porque para quem
está em pecado mortal, não basta o ato de contrição perfeita, sem a confissão,
para fazer uma comunhão bem feita. A Igreja ordenou, em sinal de respeito a este
Sacramento, que quem é culpado de pecado mortal não ouse receber a Comunhão sem
primeiro se confessar.
Quem comungasse em pecado
mortal receberia a Jesus Cristo, mas não a sua graça; pelo contrário, cometeria
sacrilégio e incorreria na sentença de condenação.
O jejum eucarístico consiste
em abster-se de qualquer espécie de comida ou bebida** (**exceto
a água natural).
Quem engoliu restos de comida presos aos dentes pode comungar, porque já não são
tomados como alimentos ou perderam tal condição. Comungar sem estar em jejum é
permitido aos doentes que estão em perigo de morte, e aos que obtiveram
permissão especial do Papa em razão de doença prolongada. A comunhão feita pelos
doentes em perigo de morte chama-se Viático, porque os sustenta na viagem que
eles fazem desta vida à eternidade.
"Saber o que vai
receber" quer
dizer: conhecer o que ensina com respeito a este Sacramento a Doutrina Cristã e
acreditá-lo firmemente.
"Comungar com
devoção" quer
dizer: aproximar-se da sagrada Comunhão com humildade e modéstia, tanto na
própria pessoa como no vestir, e fazer a preparação antes e a ação de graças
depois da Comunhão.
A preparação antes da
Comunhão consiste
em nos entretermos algum tempo a considerar quem é Aquele que vamos receber e
quem somos nós; e em fazer atos de fé, de esperança, de caridade, de contrição,
de adoração, de humildade e de desejo de receber a Jesus Cristo.
A ação de graças
depois da Comunhão consiste
em nos conservarmos recolhidos a honrar a presença do Senhor dentro de nós
mesmos, renovando os atos de fé, de esperança, de caridade, de adoração, de
agradecimento, de oferecimento e de súplica, pedindo sobretudo aquelas graças
que são mais necessárias para nós e para aqueles por quem somos obrigados a
orar.
No dia da Comunhão
deve-se manter,
o mais possível, o recolhimento, e ocupar-se em obras de piedade, bem como
cumprir com grande esmero os deveres de estado.
Depois da sagrada
Comunhão,
Jesus Cristo permanece em nós com a sua graça enquanto não se peca mortalmente;
e com a sua presença real permanece em nós enquanto não se consomem as espécies
sacramentais.
4. DA
MANEIRA DE COMUNGAR
No ato de receber a
sagrada Comunhão,
devemos estar de joelhos, com a cabeça medianamente levantada, com os olhos
modestos e voltados para a sagrada Hóstia, com a boca suficientemente aberta e
com a língua um pouco estendida sobre o lábio inferior. Senhoras e meninas devem
estar com a cabeça coberta.
A toalha ou a patena da
Comunhão deve-se segurar de maneira que recolha a sagrada Hóstia, caso ela venha
a cair.
Devemos procurar engolir a
sagrada Hóstia o mais depressa possível, e convém abster-nos de cuspir algum
tempo. Se a sagrada Hóstia se pegar ao céu da boca, é preciso despegá-la com a
língua, nunca porém com os dedos.
5. DO
PRECEITO DA COMUNHÃO
Há obrigação de
comungar todos os anos pela Páscoa,
na própria paróquia, e, além disso, em perigo de morte. O preceito da Comunhão
pascal começa a obrigar na idade em que a criança é capaz de recebê-la com as
devidas disposições.
Aqueles que, tendo a idade
capaz para serem admitidos à Comunhão, não comungam, ou porque não querem ou
porque não estão instruídos por sua própria culpa, pecam sem dúvida. Pecam
igualmente os seus pais, ou quem lhes faz as vezes, se o adiamento da Comunhão
se dá por sua culpa, e hão de dar por isso severas contas a Deus.
É coisa ótima comungar
freqüentemente e até todos os dias, contanto que se faça com as devidas
disposições. Pode-se comungar tão freqüentemente quanto o permita o conselho de
um confessor piedoso e douto.
I.
IMPORTÂNCIA DA DOUTRINA
Se entre todos os
Sagrados Mistérios que Nosso Senhor e Salvador nos confiou, como meios
infalíveis para conferir a divina graça, não há nenhum que possa comparar-se com
o Santíssimo Sacramento da Eucaristia: assim também não há crime que faça temer
pior castigo da parte de Deus, do que não terem os fiéis devoção e respeito na
prática de um Mistério, que é todo santidade, ou antes, que contém em si o
próprio autor e fonte da santidade.
Com muita perspicácia,
alcançou o Apóstolo esta verdade e sobre ela nos advertiu em termos
peremptórios. Tendo, pois, mostrado como era enorme o crime daqueles que não
distinguem o Corpo do Senhor, acrescentou logo em seguida: "Por
isso é que entre vós há tantos doentes e fracos, e muitos chegam a morrer" (I
Cor XI, 30).
Os pastores devem,
portanto, esmerar-se na exposição de todos os pontos doutrinários, que mais
realcem a majestade da Eucaristia, para que o povo cristão, compreendendo que
deve tributar honras divinas a este celestial Sacramento, consiga os mais
abundantes frutos da graça, e aparte de si a justíssima cólera de Deus.
II.
HISTÓRICO DA INSTITUIÇÃO
Para este fim, é
necessário que os pastores comecem por explicar aos fiéis a instituição deste
Sacramento. Sigam o exemplo de São Paulo Apóstolo, que afirmava só ter
transmitido aos Coríntios o que recebera do Senhor (I
Cor XI, 23ss).
Ora, o Evangelho
indica-nos, claramente, como se operou essa instituição.
"Como, pois, o Senhor
amava os Seus, amou-os até o extremo" (Jo
XIII, 1). E, para lhes dar desse amor, uma admirável caução divina, sabendo que
chegara a hora de partir deste mundo para o Pai, consumou o Mistério, a fim de
que jamais Se apartasse dos Seus; [e fê-lo] por um recurso inexplicável, que
transcende todas as leis da natureza.
Com efeito, depois de
celebrar com os Discípulos a Ceia do Cordeiro Pascal, para que a figura cedesse
lugar à verdade, e a sombra ao fato concreto, "tomou
Ele o pão, deu graças a Deus, benzeu-o e partiu-o, distribuiu-o aos Seus
Discípulos, pronunciando as palavras: Tomais e comei. Isto
é o Meu Corpo, que vai ser entregue por amor de vós. Fazei
isto em memória de Mim. Do mesmo modo, tomou também o cálice, depois da ceia, e
disse: este
Cálice é a nova Aliança no Meu Sangue. Fazei
isto em Minha memória, todas as vezes que o beberdes" (Mt
XXVI, 26; Lc XXII, 19ss; Mc XIV, 22; I Cor XI, 24ss).
III.
NOMES DESTE SACRAMENTO
Reconhecendo que uma só
palavra não podia, de modo algum, exprimir a sublime dignidade deste admirável
Sacramento, procuraram os sagrados autores interpretá-la por meio de várias
designações.
Chama-lhe, às vezes, EUCARISTIA.
É um termo que se traduz em vernáculo por "boa graça", ou também, "ação de
graças". Como propriedade se diz que este Sacramento é "boa graça", não só por
prefigurar a vida eterna, da qual está escrito: "A graça de Deus é a vida
eterna" (Rm VI, 23): mas também por conter em si a Cristo Nosso Senhor, que é a
graça por excelência e a fonte de todas as graças.
Não menos acertado é o
sentido que se dá como "ação de graças", pois pela imolação desta Vítima
puríssima rendemos, todos os dias, infinitas graças a Deus por todos os
benefícios recebidos, sobretudo pelo inefável dom de Sua graça, que nos é
outorgada neste Sacramento.
Esse nome condiz,
perfeitamente, com tudo o que Cristo Nosso Senhor fez na instituição deste
Mistério. É o que lemos na Sagrada Escritura, porquanto Davi, "Ele tomou o
pão, partiu-o e rendeu graças" (Lc
XXII, 19; I Cor XI, 23ss). O próprio abismado na contemplação [profética] deste
grandioso Mistério, cantou o hino: "Misericordioso
e compassivo, fez o Senhor um memorial de Suas maravilhas, e deu alimento aos
que O temem" (Sl CX, 4); mas
julgou necessário antepor-lhe uma ação de graças, e por isso exclamou: "Digna
de louvor e grandiosa é a Sua obra" (Sl
CX, 3).
É freqüente dar-se-lhe
também o nome de SACRIFÍCIO.
Só mais tarde é que falaremos deste Mistério com mais vagar.
Chama-se igualmente COMUNHÃO,
termo que deriva positivamente da passagem do Apóstolo: "O
cálice da bênção, que benzemos, não é porventura a comunhão do Sangue de Cristo?
E o pão, que partimos, não é por certo a participação do Corpo de Cristo?" (I
Cor X, 16).
Com efeito, no sentir de
São João Damasceno, este Sacramento nos liga com Cristo, faz-nos participar de
Sua Carne e Divindade, une-nos e congrega-nos uns aos outros, articula-nos, por
assim dizer, num só corpo no mesmo Cristo.
Tal é também a razão de
chamar-se SACRAMENTO
DA PAZ E CARIDADE, para nos dar a entender quanto são indignos
do nome cristão os que cultivam inimizades, e quanto se faz mister exterminar
radicalmente os ódios, rixas e discórdias, como sendo a mais negra peste entre
os cristãos; isto tanto mais, porque no Sacrifício cotidiano de nossa Religião
prometemos fazer o maior esforço possível por conservar a paz e a caridade.
Muitas vezes, os autores
sagrados dão-lhe também o nome de VIÁTICO,
por ser o alimento espiritual que não só nos sustenta na peregrinação desta
vida, como também nos prepara o caminho para a eterna glória e felicidade.
Por esta razão, vemos a
Igreja Católica observar o antigo preceito, que nenhum dos fiéis deve morrer,
sem a recepção deste Sacramento.
Os mais antigos Padres da
Igreja estribavam-se na autoridade do Apóstolo, quando deram algumas vezes o
nome de CEIA à
Sagrada Eucaristia, pelo fato de que Cristo Nosso Senhor a instituiu durante os
salutares mistérios da Última Ceia.
Com isso, porém, não se
quer dizer que seja lícito consagrar ou receber a Eucaristia, depois que se
tenha comido ou bebido alguma coisa. Conforme diziam os antigos escritores,
foram os Apóstolos que introduziram o salutar costume, desde então sempre
mantido e observado, que as pessoas só recebam a Comunhão em jejum natural.
IV.
EUCARISTIA COMO UM DOS SETE SACRAMENTOS
1.
Prova.
Após a explicação do nome, força
é ensinar que a Eucaristia é verdadeiro Sacramento, um dos sete que a Santa
Igreja sempre reconheceu e conservou, com religiosa veneração.
Antes de tudo, porque
na consagração do Cálice é designada como "Mistério
de Fé". Depois,
porque são quase inúmeras as declarações, pelas quais os sagrados autores sempre
afirmaram o caráter genuinamente sacramental da Eucaristia. No entanto, não os
citaremos aqui, visto chegarmos às mesmas conclusões pela consideração da
essência e finalidade deste Sacramento.
De fato, na Eucaristia
concorrem os sinais externos e sensíveis [de Sacramento], bem
como a virtude de significar e produzir a graça. Ademais,
nem os Evangelistas, nem os Apóstolos deixam a menor dúvida de que foi
instituída por Cristo.
Ora, como aqui se verificam
todas as condições, que dão prova do genuíno caráter sacramental, já não
precisamos recorrer a nenhuma outra argumentação.
2. Sinal sacramental
Todavia, tenham os
pastores o cuidado de advertir que, neste Mistério, entram vários fatores, aos
quais os sagrados autores atribuíam outrora o nome de Sacramento. Assim
designavam às vezes a Consagração e a Comunhão, e amiúde o próprio Corpo e
Sangue de Nosso Senhor, que se contêm na Eucaristia.
Diz Santo Agostinho que
este Sacramento consta de duas coisas: aparência
visível dos elementos, e realidade invisível da Carne e do Sangue de Nosso
Senhor Jesus Cristo. Ora, da
mesma forma dizemos que se deve adorar
este Sacramento e, com tais palavras, nos referimos ao Corpo e Sangue de Nosso
Senhor.
Verdade é que todas estas
coisas não se chamam Sacramento, no rigor da palavra. O nome [de Sacramento] só
tem aplicação real e absoluta às espécies de pão e de vinho.
3. Diferença dos outros Sacramentos
a) permanência no tempo
Fácil é de verificar quanto
vai a diferença deste Sacramento a todos os demais. Os outros Sacramentos só
adquirem sua razão de ser pela aplicação da matéria, quando são administrados a
qualquer pessoa. O Batismo, por
exemplo, não surte seu efeito sacramental, senão no próprio instante em que
alguém recebe realmente a ablução de água.
No
entanto, para a integridade [sacramental] da Eucaristia basta
a consagração da matéria; ambas as espécies não deixam de ser
Sacramento, ainda que sejam guardadas no cibório.
b) transubstanciação
Mais ainda. Na feitura dos
outros Sacramentos, a matéria ou elemento não se muda em substância diversa. A
água batismal e o óleo de Crisma não perdem respectivamente a substância própria
de água ou de azeite, quando se administram os Sacramentos do Batismo e da
Confirmação.
Mas, na Eucaristia, o que
antes da Consagração era simples pão e vinho, é
verdadeira substância do Corpo e Sangue de Nosso Senhor, desde que se efetuou a
Consagração.
4. Unidade sacramental
Apesar de serem dois os
elementos que constituem a natureza integral da Eucaristia, a saber pão e vinho,
dizemos contudo que eles não perfazem vários, mas um só Sacramento, conforme
no-lo ensina o Magistério da Igreja. Do contrário, não poderia aliás ser sete o
número total dos Sacramentos, assim como a Tradição sempre o afirmou, e os
Concílios de Latrão, Florença e Trento o definiram.
Pois, como a graça
deste Sacramento produz um só Corpo Místico, um só deve ser também o próprio
Sacramento, para que a sua natureza corresponda à graça produzida. E
deve ser um, não porque seja um todo indivisível, mas porque assinala uma só
operação da graça.
Se compararmos, comida e
bebida são duas coisas diversas, mas que se empregam para a mesma finalidade, ou
seja, para restaurar as forças do corpo. Assim,
pois, no Sacramento, convinha que a elas correspondessem duas espécies diversas,
para representarem o alimento espiritual com que as almas se sustentam e
dessedentam. Por isso é que
Nosso Senhor declarou: "Minha
Carne é verdadeiramente comida, e Meu Sangue é verdadeiramente bebida" (Jo
6, 56).
5. Significado sacramental
Portanto, torna-se mister
que os pastores não se cansem de desenvolver toda a significação do Sacramento
da Eucaristia. Destarte, os fiéis poderão alimentar o espírito pela contemplação
das verdades divinas, enquanto acompanham os Sagrados Mistérios com os olhos
corporais.
Ora, três são as coisas que
este Sacramento nos recorda.
A primeira,
que já passou, é a Paixão de Cristo Nosso Senhor. Ele próprio havia dito:"Fazei
isto em memória de Mim" (Lc
XXII, 19). E o Apóstolo testemunhou: "Todas
as vezes que comerdes deste Pão e beberdes do Cálice, anunciareis a Morte do
Senhor, até que Ele venha" (I
Cor XI, 26).
A segunda é
a graça divina e celestial, que
o Sacramento confere no instante da recepção, para nutrir e conservar as forças
da alma.
Assim como o Batismo nos
faz renascer para uma vida nova,
e a Crisma dos dá alento para
resistir a Satanás, e confessar publicamente o nome de Cristo: assim
também a Eucaristia nos dá alimento
e vigor espiritual.
A terceira,
reservada para o futuro, é o
fruto da eterna alegria e glória que havemos de possuir na Pátria celestial, em
virtude da promessa feita por Deus.
Estas três coisas que
claramente se distinguem, quanto ao tempo presente, passado e futuro, são
expressas de tal maneira pelos Sagrados Mistérios, que o Sacramento, apesar das
espécies diversas, constitui em seu aspecto total uma só representação.Esta
exprime, por sua vez, a razão de ser daquelas três coisas, consideradas
separadamente.
V.
MATÉRIA.
Os pastores devem, antes de
tudo, conhecer a matéria deste Sacramento, já para que eles mesmos o possam
consumar validamente, já para que os fiéis tenham uma noção de seu valor
simbólico, e nutram em si o amoroso e intenso desejo de possuir aquilo que a
matéria significa.
V.1.
Pão de trigo
Dupla é a matéria
deste Sacramento. Uma é o pão feito de trigo. Falaremos
desta em primeiro lugar, e da outra nos ocuparemos mais adiante.
Dizem, pois, os
Evangelistas Mateus, Marcos e Lucas, que Cristo Nosso Senhor tomou pão em Suas
mãos, benzeu-o e partiu-o, pronunciando as palavras: "Isto
é o meu Corpo"(Mt XXVI, 26; Mc XIV, 22; Lc XXII, 19). No
Evangelho de São João, Nosso Senhor também disse de Si mesmo que era pão, quando
declarava: "Eu
sou o pão vivo, que desci do Céu" (Jo
VI, 41).
Ora, o pão pode ser de
várias espécies, ou porque difere na matéria de que é feito, havendo pão de
trigo, de cevada, de legumes, e de outros produtos da terra; ou porque difere
nas várias maneiras de se preparar, havendo pão levedado e pão sem fermento de
espécie alguma.
Quanto à primeira espécie,
as palavras do Salvador mostram que o pão deve ser feito de trigo. Pois, na
linguagem comum, não há dúvida que se pensa em pão de trigo, quando nos
referimos ao pão sem mais explicações.
Esta interpretação é também
confirmada por uma figura da Antiga Aliança; pois o Senhor havia prescrito que
os pães de proposição, símbolo deste Sacramento, fossem feitos da mais pura
farinha de trigo.
Assim como só ao pão de
trigo podemos considerar matéria apta para se fazer o Sacramento: assim
também nos será fácil concluir que o pão deve ser ázimo, se
nos cingirmos ao exemplo que deu Cristo Nosso Senhor. Com efeito, Ele
fez e instituiu este Sacramento no primeiro dia dos ázimos, no qual não era
permitido aos Judeus terem em casa coisa alguma que fosse fermentada.
Querendo alguém alegar a
autoridade de São João Evangelista, segundo o qual tudo se realizara "na
véspera da Páscoa" (Jo XIII,
1), a objeção pode ser facilmente rebatida. Diziam os outros Evangelistas que
era no "primeiro dia dos
ázimos", quando Nosso Salvador celebrou a Páscoa, porque
os dias santos dos ázimos já começavam quinta-feira de tarde; mas era o
mesmo dia que São João designava como vigília da Páscoa, pois ele queria antes
de tudo indicar o espaço de um dia natural, que começa com o nascer do sol. Por
isso é que também São João Crisóstomo considerava como primeiro dos ázimos o
dia, em que pela tarde se deviam comer os pães ázimos.
E o Apóstolo mostra-nos
quanto a consagração de pão ázimo condiz com a pureza e integridade interior que
os fiéis devem apresentar, desde que se aproximam para receber este Sacramento.
Motivo por que nos exorta: "Deitai
fora o velho fermento, para que sejais uma massa nova, porquanto sois ázimos;
pois Cristo foi imolado, para ser a nossa Páscoa. Portanto, celebremos o nosso
banquete, não com o velho fermento, nem com o fermento da malícia e
perversidade, mas com os ázimos da sinceridade e da verdade" (I
Cor V, 7ss).
Este requisito, porém, não
é tão essencial, que sem pão ázimo não se possa consumar o Sacramento. Ambas as
espécie de pão, quer ázimo, quer fermentado, conservam o nome e as qualidade de
verdadeiro pão.
No entanto, a ninguém é
lícito modificar, por alvitre, ou antes, por capricho próprio, este louvável
costume de sua Igreja. Muito menos o poderiam fazer os sacerdotes do rito
latino, aos quais os Soberanos Pontífices ainda por cima ordenaram celebrassem
os Sagrados Mistérios só com pão ázimo.
A respeito da primeira
matéria deste Sacramento, bastam as noções que acabamos de expender. Convém
apenas advertir que a Igreja nunca determinou quanta matéria se deve empregar
para a consagração do Sacramento, por não ser possível determinar também o
número das pessoas, que possam ou devam receber os Sagrados Mistérios.
V.2.
Vinho de uva
Resta-nos, agora, falar da
segunda matéria deste Sacramento. É o vinho pisado do fruto da vide, ao qual se
mistura um pouco de água.
A Igreja Católica sempre
ensinou que Nosso Senhor e Salvador empregava vinho na instituição deste
Sacramento, pois Ele mesmo havia dito: "Doravante,
não tornarei a beber deste fruto da vide, até chegar aquele dia" (Mt
XXVI, 29; Mc XIV, 15). Ao que comentava São João Crisóstomo: "Do
fruto da vide, que certamente produzia vinho, e não água". Era
como se Ele quisesse, com tanta antecedência, esmagar a heresia daqueles que
julgavam que nestes Mistérios se devia usar água exclusivamente.
A Igreja, porém, sempre
misturou água com o vinho. Em primeiro lugar, porque assim o fizera Cristo Nosso
Senhor, conforme nos provam a autoridade dos Concílios e o testemunho de São
Cipriano. Depois, porque essa
mistura faz lembrar que do lado de Cristo manou sangue e água. Ademais,
as "águas" significam
o povo, como lemos no Apocalipse (Ap XVII, 15); assim também, misturada ao
vinho, a água simboliza a união
do povo fiel com Cristo, que é a sua Cabeça.
E a Santa Igreja sempre
manteve este costume, por ser de tradição apostólica.
São tão fortes as razões
para se misturar água ao vinho, que seria grave culpa deixar de fazê-lo. Sem
embargo, a omissão não impediria que se consumasse o Sacramento.
Mas, assim como é de
preceito misturar água ao vinho, nos Sagrados Mistérios, os sacerdotes devem
também cuidar de não o fazer senão em pequena
quantidade; pois os santos
autores julgam e ensinam que essa [pouca]
água se converte em vinho.
Neste sentido escreveu o
Papa Honório: "No teu
território, arraigou-se um abuso pernicioso, como seja o de empregar, no
sacrifício, maior quantidade de água que de vinho; porquanto a razoável praxe da
Igreja Universal prescreve que se tome muito mais vinho do que água".
Como estes dois elementos
são os únicos a constituírem a matéria sacramental, muita razão teve a Igreja de
proibir, por vários decretos, que se não oferecessem outras coisas, além do pão
e do vinho, conforme alguns se atreviam de fazer.
V.3.
Simbolismo da matéria
Agora, vamos ver quanto os
símbolos de pão e de vinho se prestam para designar as coisas, de que são sinais
sacramentais, consoante a nossa profissão de fé.
Em primeiro lugar,
apresentam-nos Cristo como a verdadeira vida dos homens. Nosso Senhor em pessoa
havia dito: "Minha
Carne é verdadeiramente comida e Meu Sangue é verdadeiramente bebida".
Ora, se o Corpo de Cristo Nosso Senhor dá alimento para a vida eterna aos que
recebem o Seu Sacramento com o coração puro e santificado, de muito acerto é que
o Sacramento tenha, por símbolo, as matérias que conservam a nossa vida terrena. Assim,
os fiéis não custam a compreender que a Comunhão do Precioso Corpo e Sangue de
Cristo lhes nutre, plenamente, a alma e o coração.
Estes elementos materiais
também concorrem, não pouco, para que os homens venham a reconhecer que este
Sacramento encerra, de fato, o Corpo e o Sangue de Nosso Senhor. Pois, ao vermos
todos os dias que, por um processo natural, o pão e o vinho se convertem em
carne e sangue do homem, mais
facilmente chegamos a crer, mediante essa analogia, que a substância do pão e do
vinho se convertem, pelas
palavras da Consagração, na verdadeira Carne de Cristo e no Seu verdadeiro
Sangue.
A admirável mutação dos
elementos incute-nos, ainda, uma pálida noção daquilo que se opera na alma. Deveras,
ainda que se não perceba nenhuma mudança exterior no pão e no vinho, contudo
a sua substância passa, verdadeiramente, a ser Carne e Sangue de Cristo:
assim também, de modo análogo, nossa vida se renova interiormente, quando
recebemos a verdadeira vida no Sacramento da Eucaristia, posto que em nós parece
não ter havido nenhuma mudança.
Mais ainda. Sendo a Igreja
um corpo que se compõe de muitos membros, nenhuma coisa é mais adequada para
fazer ressaltar essa união, do que o pão e o vinho. O
pão se faz de muitos grãos, e o vinho se espreme de muitos cachos. Desta
maneira, simbolizam como também nós, apesar de sermos muitos, nos unimos
estreitamente pelos vínculos deste Mistério, e constituímos, por assim dizer, a
unidade de um só corpo.
VI.
FORMA
Chega agora a vez de
tratarmos da forma, que se deve empregar na consagração do pão. Salvo motivo
particular, estas explanações não se destinam ao simples povo fiel – pois delas
não precisam os que não receberam Ordens Sacras – mas são dadas, sobretudo, para
que a ignorância da forma não induza os sacerdotes a cometerem erros palmares na
consumação do Sacramento.
VI.1.
Para a consagração do pão
Consoante a doutrina dos
Evangelistas São Mateus e São Lucas, bem como do Apóstolo São Paulo (Mt XXVI,
26; Lc XXII, 19; I Cor XI, 24), sabemos que essa forma consiste nas seguintes
palavras: "Isto
é o meu Corpo". Pois
está escrito: "Quando estavam
na ceia, tomou Jesus o pão, benzeu-o, partiu-o, e deu-o aos Seus Discípulos,
dizendo: Tomai e comei, isto é o meu Corpo" (Mt
XXVI, 26).
Esta forma de consagração,
a Igreja Católica sempre a empregou, por ser a que Cristo Nosso Senhor havia
observado. E aqui deixamos de parte os testemunhos dos Santos Padres, cuja
enumeração seria um nunca acabar, e o decreto do Concílio de Florença, por
bastante conhecido e acessível a quantos o queiram consultar. Se assim
procedemos, é porque se pode também inferir a mesma verdade daquelas palavras de
Nosso Salvador:"Fazei isto em memória de Mim".
Aquilo, pois, que Nosso
Senhor dera ordem de fazer, deve referir-se não só ao que Ele havia feito, mas
também ao que Ele havia dito. Isto deve, sobretudo, entender-se das palavras que
Ele proferira, tanto para significar, como para produzir o efeito sacramental.
O mesmo se pode facilmente
demonstrar à luz da razão.
Forma é aquilo que
significa o efeito operado por este Sacramento. Ora, como as palavras citadas
declaram, de maneira explícita, o efeito que se opera, isto é, a conversão do
pão no verdadeiro Corpo de Nosso Senhor, segue-se, portanto, que elas mesmas
constituem a forma da Eucaristia. Nesse sentido se deve tomar a expressão do
Evangelista: "benzeu-o". Era como se dissesse: "Ele
tomou o pão, benzeu-o, pronunciando as palavras: Isto é o meu Corpo".
O Evangelista refere antes
as palavras: "Tomai e comei". Sabemos,
porém, que estas palavras não designam a consagração da matéria, mas apenas o
uso que se deve fazer do Sacramento.
O sacerdote tem a estrita
obrigação de pronunciá-las, mas não são de valor essencial para a realização do
Sacramento. O mesmo se diga da conectiva "pois",
na consagração do pão e do vinho.
Do contrário, não seria
lícito consagrar o Sacramento, quando não houvesse a quem administrá-lo. No
entanto, ninguém pode contestar que o sacerdote consagra realmente a matéria
apta do pão, todas as vezes que profira as palavras de Nosso Senhor, ainda que
não na mesma ocasião não administre a ninguém a Sagrada Eucaristia.
VI.2.
Para a consagração do vinho
Pelas mesmas razões já
alegadas, deve o sacerdote ter uma perfeita noção da forma para consagrar o
vinho, que é a segunda matéria deste Sacramento.
Devemos crer, com
inabalável certeza, que ela está contida nas seguintes palavras:"Este
é o Cálice do Meu Sangue, da nova e eterna Aliança, Mistério da fé, o qual por
vós e por muitos será derramado, em remissão dos pecados" (Cânon
da Missa).
Destas palavras, muitas
foram tiradas das Sagradas Escrituras, algumas, porém, são conservadas pela
Igreja, em virtude da Tradição Apostólica:
Senão vejamos. "Este
é o Cálice" - são palavras
escritas por São Lucas e o Apóstolo São Paulo (Lc XXII, 20; I Cor XI, 25). O que
vem a seguir: "do
Meu Sangue", ou "Meu
Sangue da Nova Aliança, o qual por vós e por muitos será derramado em remissão
dos pecados" - são
palavras que se acham parte em São Lucas, parte em São Mateus (Lc XXII, 20; Mt
XXVI, 28). As palavras "da
eterna Aliança" e "Mistério
da fé": foram-nos comunicadas pela Sagrada Tradição, que é a medianeira
e zeladora da verdade católica.
Ninguém poderá contestar a
exatidão desta forma, se também aqui tiver em vista o
que já foi dito acerca da consagração da matéria do pão. Pois certo é
que nas palavras que exprimem a
conversão do vinho no Sangue de Cristo Nosso Senhor, está contida, pois,
a forma correspondente a esta matéria. Ora, como aquelas palavras a exprimem
claramente, é de toda a evidência que se não deve estabelecer outra forma.
Além disso, essas palavras
exprimem certos efeitos admiráveis do Sangue derramado na Paixão de Nosso
Senhor, efeitos que estão na mais íntima relação com este Sacramento. O primeiro
é o acesso à eterna partilha, cujo direito nos advém da "nova
e eterna Aliança". O segundo é o acesso à justiça pelo "Mistério
da fé"; porquanto Deus
nos propôs Jesus como vítima propiciatória, mediante a fé em Seu Sangue, para
que Ele mesmo seja justo e justifique a quem acredita em Jesus Cristo. O
terceiro é a remissão dos
pecados.
Como estas palavras da
Consagração do vinho encerram um
sem-número de Mistérios, e são muito adequadas ao que devem exprimir,
força é considerá-las com mais vagar e atenção.
Quando pois se diz: "Este
é o Cálice do Meu Sangue" –
cumpre entender "Este é o Meu
Sangue, que está contido neste cálice". Como aqui se consagra sangue,
para ser bebida dos fiéis, é oportuno e acertado fazer-se menção do cálice. O
sangue como tal não lembraria bastante a idéia de bebida, se não estivesse
colocado num recipiente.
Acrescentam-se depois as
palavras "da Nova Aliança",
para compreendermos que o Sangue de Cristo Nosso Senhor é dado aos homens, em
sua absoluta realidade, pela razão de pertencer à Nova Aliança; não somente em
figura, como acontecia na Antiga Aliança, da qual contudo lemos, na epístola do
Apóstolo aos Hebreus, não ter sido selada sem sangue.
Nesse sentido é que o
Apóstolo explicou: "Pois isso
mesmo", Cristo "é Mediador" da Nova Aliança, para que, intervindo a Sua morte,
recebam a promessa da herança eterna os que a ela forma chamados" (contração
de Hb IX, 15).
O adjetivo "eterna" refere-se
à herança eterna, que legitimamente nos cabe pela morte de Cristo Senhor Nosso,
o eterno Testador.
A cláusula "Mistério
da fé" não tem por fim
excluir a verdade objetiva; significa que devemos crer, com fé inabalável, o que
nele se oculta, de maneira absolutamente inacessível à vista humana.
Mas estas palavras não têm
aqui o mesmo sentido, que se lhes atribui também com relação ao Batismo.
Fala-se, pois, de "Mistério da
fé", porque só pela fé vemos o Sangue de Cristo, velado que
está na espécie de vinho. Como, porém, o Batismo abrange toda a profissão da fé
cristã, temos razão em chamar-lhe "Sacramento da fé", o que
corresponde ao "mistério" dos
gregos.
Existe, ainda, outro motivo
de chamarmos "Mistério da fé" ao
Sangue de Cristo. A razão humana oferece muita dificuldade e relutância, quando
a fé nos propõe a crer que Cristo Nosso Senhor, verdadeiro Filho de Deus, sendo
Deus e Homem ao mesmo tempo, sofreu a morte por amor de nós. Ora, esta morte é
juntamente representada pelo Sacramento do Seu Sangue.
Em vista deste fato, era
bem comemorar-se aqui, e não na Consagração do Seu Corpo, a Paixão de Nosso
Senhor, mediante as palavras "que
será derramado em remissão dos pecados". Consagrado separadamente, o
Sangue tem mais força e propriedade, para revelar, aos
olhos de todos, a Paixão de Nosso Senhor, a Sua Morte, a modalidade de Seu
sofrimento.
As palavras que se ajuntam "por
vós e por muitos", foram tomadas parte de São Mateus, parte de
São Lucas (Mt XXVI, 28; Lc XXII, 20). A Santa Igreja, guiada pelo Espírito de
Deus, coordenou-as numa só frase, para que exprimissem o fruto e a vantagem da
Paixão.
De fato, se
considerarmos sua virtude, devemos reconhecer que o Salvador derramou Seu Sangue
pela salvação de todos os homens. Se atendermos, porém, ao fruto real que os
homens dele auferem, não nos custa compreender que sua eficácia se não estende a
todos, mas só a "muitos" homens.
Dizendo, pois, "por
vós", Nosso Senhor tinha em vista, quer as pessoas presentes, quer os
eleitos dentre os Judeus, como o eram os Discípulos a quem falava, com exceção
de Judas.
No entanto, ao acrescentar "por
muitos", queria aludir aos outros eleitos, fossem eles Judeus ou
gentios. Houve, pois, muito acerto em não se dizer "por todos", visto que
o texto só alude aos frutos da Paixão, e esta sortiu efeito salutar unicamente
para os escolhidos.
Tal é o sentido a que se
referem aquelas palavras do Apóstolo: "Cristo
imolou-Se uma só vez, para remover totalmente os pecados de muitos" (Hb
II, 28) e as que disse Nosso Senhor no Evangelho de São João: "Eu
rogo por eles; não rogo pelo mundo, mas por estes que Vós me destes, porque eles
são Vossos" (Jo XVII, 9).
Nestas palavras da
Consagração do vinho vão ainda muitos outros Mistérios. Com a graça de Deus,
poderão os pastores facilmente descobri-los, se fizerem assídua e aturada
meditação das coisas divinas.
VII. DOGMAS EUCARÍSTICOS
Mas agora reatemos a
explanação de outras verdades, que os fiéis de modo algum podem desconhecer. Como
o Apóstolo afirma ser enorme o crime cometido por aqueles "que
não distinguem o Corpo do Senhor", digam
os pastores, em primeiro lugar, que o espírito e a inteligência devem aqui
abstrair absolutamente das impressões sensíveis. Pois, se os fiéis julgassem que
este Sacramento só contém o que eles percebem com os sentidos, cairiam
forçosamente na maior das impiedades.
Seriam levados a crer que,
no Sacramento, nada mais existe além de pão e de vinho, porquanto a vista, o
tato, o olfato e o paladar só acusam as aparências de pão e de vinho. Devem,
pois, os pastores envidar esforços, para que o espírito dos fiéis prescinda, o
mais possível, da opinião dos sentidos, e se alevante à contemplação da
soberania e onipotência de Deus.
São três os efeitos, dignos
da maior admiração e acatamento, produzidos
pelas palavras da Consagração, conforme o que a fé católica crê e
professa, sem nenhuma hesitação.
O primeiro é
que, neste Sacramento, se contém o
verdadeiro Corpo de Cristo Nosso Senhor, aquele mesmo que nasceu
da Virgem, e está sentado nos céus à mão direita do Pai.
O segundo é
que nele não remanesce nenhuma substância dos elementos, por mais estranho e
contrário que isto pareça à percepção dos sentidos.
O terceiro,
que se deriva dos dois anteriores, está claramente indicado pelos termos da Consagração.
É que os acidentes, quais se nos deparam à vista e aos demais sentidos,
continuam a subsistir, de uma maneira admirável e inexplicável, sem que coisa
alguma lhes sirva de suporte. Podemos, pois, enxergar todos os acidentes do pão
e do vinho, mas eles não inerem a nenhuma substância; subsistem em si mesmos,
porquanto a substância do pão e do vinho se convertem de tal maneira no próprio
Corpo de Nosso Senhor, que a substância do pão e do vinho deixam totalmente de
existir.
VII. 1. Presença real do Corpo e Sangue de Cristo
A) As
palavras de Nosso Senhor
Para entrarem na exposição
do primeiro efeito, farão os pastores por mostrar como são claras e inequívocas
as palavras de Nosso Salvador, pelas quais Ele designa a presença real de Seu
Corpo neste Sacramento.
Quando pois Ele diz "Isto
é o Meu Corpo, este é o Meu Sangue" –
nenhuma pessoa de bom-senso pode desconhecer o que tais palavras significam,
tanto mais que se referem à natureza humana que era em Cristo uma realidade,
conforme o que a fé católica a todos propõe como doutrina indubitábel.
Assim é que Santo
Hilário, varão de muita virtude e prudência, teve a agudeza de observar que já
não é possível duvidar da presença real do Corpo e Sangue de Cristo, desde que o
próprio Senhor declarou, e a fé nos ensina, que Sua Carne é verdadeiramente
comida.
B) As palavras do Apóstolo São Paulo
Os pastores deverão ainda
elucidar uma outra passagem, pela qual será fácil concluir que, na Eucaristia,
se contém o verdadeiro Corpo e Sangue de Nosso Senhor. Depois de relatar como
Nosso Senhor consagrara o pão e o vinho, e dera aos Apóstolos os Sagrados
Mistérios, o Apóstolo acrescenta: "Examine-se,
pois, o homem a si próprio, e assim coma deste pão e beba do cálice; porque quem
come e bebe indignamente, come e bebe a sua própria condenação, por não
discernir o Corpo do Senhor" (I
Cor 11, 28).
Ora, se no Sacramento não
houvesse outra coisa que venerar como afirmam os hereges, senão uma lembrança e
um sinal da Paixão de Cristo, que necessidade tinha o Apóstolo de exortar os
fiéis, em linguagem tão grave, a examinarem-se a si mesmos?
Com aquela dura palavra "condenação",
declarava o Apóstolo que comete nefando crime quem recebe indignamente o Corpo
do Senhor, oculto de maneira invisível na Eucaristia, e não o distingue de outra
qualquer comida.
Na mesma Epístola, o
Apóstolo já havia antes explicado de modo mais incisivo: "O
Cálice da bênção, não é a comunicação do Sangue de Cristo? E o Pão, que
partimos, não é a participação do Corpo de Cristo?" (I
Cor 10, 16). São palavras que designam, claramente, a verdadeira substância
do Corpo e Sangue de Cristo Nosso Senhor.
Os pastores devem,
portanto, explicar estas passagens da Escritura, ensinando, expressamente, que
elas não deixam nenhuma dúvida ou incerteza, sobretudo porque [assim] as
interpretou a sacrossanta autoridade da Igreja de Deus.
C) A doutrina da Igreja
Por dois processos podemos
alcançar essa interpretação da Igreja. O primeiro é consultar os Padres que,
desde os primórdios da Igreja floresceram em cada século, e são os melhores
abonadores da doutrina eclesiástica.
Ora, eles são absolutamente
unânimes em ensinar, com a maior clareza, a verdade deste dogma. Mas como
custaria muito esforço e trabalho alegar aqui o testemunho de cada um deles,
será bastante referir, ou melhor, apontar alguns testemunhos que permitam
ajuizar os demais, sem maior dificuldade.
Os Santos Padres
Seja, pois, Santo Ambrósio
o primeiro a fazer seu depoimento de fé. No seu livro sobre os Catecúmenos,
afirmou que neste Sacramento recebemos o verdadeiro Corpo de Cristo, assim como
foi verdadeiramente tomado da Virgem; e que esta verdade deve ser aceita com
absoluta adesão da fé. E,
noutro lugar, ensina que, antes da Consagração, há pão sobre o altar; mas que,
depois da Consagração, está ali a Carne de Cristo.
Venha como segunda
testemunha, São João Crisóstomo, cuja doutrina não é de menos força e
autoridade. Em muitas passagens de suas obras, professa ele e ensina a
verdade deste dogma, mas de modo mais pronunciado na sexagésima Homilia
sobre aqueles que comungam indignamente, bem como nas Homilias quadragésima
quarta e quadragésima quinta sobre o Evangelho de São João: "Obedeçamos
a Deus, diz ele, e não façamos objeção, ainda quando parece propor-nos coisas
contrárias às nossas idéias e à nossa visão; porquanto a Sua palavra é
infalível, e nossos sentidos facilmente se enganam".
Com tais passagens concorda
plenamente o que Santo Agostinho, como rijo defensor da fé, sempre ensinava,
mormente na explicação do título do Salmo trigésimo terceiro. Diz ele: "Impossível
é ao homem carregar-se a si mesmo nas próprias mãos. Isso podia aplicar-se
somente a Cristo, pois que Se trazia a Si nas próprias mãos, quando entregou Seu
Corpo com as palavras ‘Isto é o Meu Corpo’".
De parelhas com São Justino
e Santo Irineu, São Cirilo afirma, no Quarto Livro sobre o Evangelho de São
João, a existência da Carne de Cristo neste Sacramento, e usa de termos tão
declarados, que não é possível dar-lhes uma interpretação errônea e tendenciosa.
Caso queiram outros ditos
dos Santos Padres, os pastores poderão sem mais acrescentar São Dionísio, Santo
Hilário, São Jerônimo, São João Damasceno, e muitos outros que não nos é
possível enumerar. Suas autorizadas opiniões sobre este dogma foram
cuidadosamente coligidas, graças aos esforços de autores doutos e piedosos, que
assim no-las tornaram fáceis de consultar em qualquer oportunidade.
Os Concílios
O segundo processo para
conhecermos o sentir da Igreja me matéria de fé, consiste na condenação que ela
fulmina contra as doutrinas e opiniões contrárias.
Ora, é um fato histórico
que a fé na presença real do Corpo de Cristo na Eucaristia estava de tal modo
disseminada e arraigada na Igreja Universal e gozava de tanta aceitação entre
todos os fiéis que, atrevendo-se Berengário, [há quinhentos anos atrás] (*no
século XI), a negá-la e atribuir-lhe apenas o caráter de simples emblema, o
Concílio de Vercelli, convocado por Leão IX, logo o condenou por consenso
unânime dos Padres, e fulminou sua heresia com a pena de excomunhão.
Quando ele mais tarde
recaiu na loucura da mesma impiedade foi novamente condenado por três outros
Concílios, por um em Tours, e por dois em Roma, sendo o primeiro destes
convocado pelo Papa Nicolau II, e o segundo pelo Papa Gregório VII. Esta mesma
doutrina foi mais tarde confirmada por Inocêncio III no Concílio Ecumênico de
Latrão. Depois os Concílios de Florença e de Trento declararam e definiram, mais
explicitamente, o sentido desta verdade revelada.
Nenhuma alusão fazemos aqui
a pessoas que, obcecadas por opiniões errôneas, nada aborrecem tanto, como a luz
da verdade; mas, se os pastores explicarem bem estas verdades, poderão confortar
os fracos, e encher de suma e cordial alegria os espíritos piedosos, tanto mais
que para os fiéis a verdade deste dogma deve estar implicitamente incluída na
profissão dos outros artigos da fé.
Crendo, pois, e professando
o supremo poder de Deus sobre todas as coisas, força lhes é crerem também que a
Deus não falta poder para realizar este sumo prodígio que, extasiados, adoramos,
no Sacramento da Eucaristia. E crendo, também, a Santa Igreja Católica,
necessariamente devem acreditar que as verdades relativas a este Sacramento são
conformes à explicação, que acabamos de dar (*isto
é, que a Eucaristia é um dogma apresentado pelo Magistério infalível da Igreja).
D)
Sublimidade da presença de Cristo
Sem dúvida alguma, quando
os fiéis se põem a considerar a singular grandeza deste incomparável Sacramento,
não há o que lhes possa contribuir para maior gozo e proveito espiritual.
Em primeiro lugar,
reconhecerão como é sublime a perfeição da Nova Aliança, à qual foi dado possuir
na realidade o Mistério que, na época da Lei Mosaica, era apenas insinuado por
sinais e figuras. Por isso, São Dionísio teve a inspiração de dizer que a nossa
Igreja fica de permeio entre a Sinagoga e a Jerusalém celestial, razão por que
também participa da grandeza de ambas.
De fato, os fiéis
jamais poderão admirar bastante a perfeição da Santa Igreja e a sublimidade de
sua glória; ao que parece, entre ela e a bem-aventurança celestial medeia apenas
a distância de um só grau.
Pois o que temos de
comum com os bem-aventurados é o possuirmos, nós e eles, a presença de Cristo
como Deus e como Homem. Todavia, o único grau que nos separa é gozarem eles Sua
presença na visão beatífica, ao passo que nós, com fé firme a inabalável,
veneramos Sua presença, vedada contudo à nossa vista corporal, porquanto Se
encobre debaixo do admirável véu dos Sagrados Mistérios.
Além do mais, é neste
Sacramento que os fiéis experimentam a suprema caridade de Cristo Nosso
Salvador. Sob todos os pontos de vista, convinha à Sua bondade não apartar de
nós, em tempo algum, a natureza que de nós havia assumido, mas antes querer
ficar conosco, na medida do possível, para que em todos os tempos fosse plena
realidade aquela palavra da Escritura: "Minhas
delícias é estar com os filhos dos homens" (Pr
8, 31).
E)
Presença de Cristo total
Nesta altura, os pastores
hão de explicar que, neste Sacramento, se contém não só o verdadeiro Corpo de
Cristo, e tudo o que constitui realmente o corpo humano, como os ossos e os
músculos, mas também Cristo todo inteiro.
Devem dizer que "Cristo" é
um nome que designa o Homem-Deus,
isto é, uma única Pessoa, e no qual se ligam as natureza divina e humana. Sendo
assim, devemos crer que tudo está encerrado no Sacramento da Eucaristia: ambas
as substâncias, e o que se deriva das duas substâncias, isto é, a Divindade e
toda a natureza humana, que consta da alma, do corpo com todas as suas partes, e
até do sangue.
Com efeito, já que no céu a
Humanidade completa de Cristo está unida à Divindade numa só Pessoa e hipóstase,
grave erro seria supor que o Corpo, em sua presença sacramental, estivesse
separado da mesma Divindade.
No entanto, devem os
pastores levar em conta que todos estes elementos não estão contidos no
Sacramento pela mesma razão e maneira.
Em virtude do Sacramento
De alguns dizemos estarem
presentes no Sacramento, pela virtude própria das palavras consecratórias. Como
essas palavras produzem o que significam, dizem os teólogos que no Sacramento se
contém, em virtude do próprio Sacramento, o que exprimem as palavras da forma.
Se acontecesse ficar algum elemento inteiramente separado dos outros, afirmam
também os teólogos que no Sacramento se conteria apenas o que está expresso pela
forma, com exclusão dos elementos restantes.
Por concomitância
Outros elementos, porém,
estão contidos no Sacramento, por se ligarem às coisas expressas pela forma. Na
consagração do pão, por exemplo, a forma empregada significa o Corpo de Nosso
Senhor, porquanto se diz: "Isto
é o Meu Corpo". Assim,
pois, em virtude do Sacramento, se torna presente na Eucaristia o próprio Corpo
de Cristo Nosso Senhor. Ora,
estando unidos ao Corpo, o Sangue, a Alma e a Divindade, todos esses elementos
estão também contidos no Sacramento, não em virtude das palavras consecratórias,
mas por estarem unidos ao Corpo.
Em linguagem teológica se
diz que eles estão no Sacramento "por concomitância" (*por um nexo necessário).
Torna-se, pois, evidente ser esta a razão por que Cristo se acha totalmente
presente no Sacramento. Quando duas coisas realmente se unem entre si, força é
que esteja uma onde se encontra também a outra. Segue-se, portanto, que a
presença de Cristo é total, quer na espécie de pão, quer na espécie de vinho: e
de tal maneira, que nos acidentes do pão não se acha realmente presente só o
Corpo, mas também o Sangue e Cristo todo; bem como na espécie de vinho está
verdadeiramente presente, não só o Sangue, mas também o Corpo e Cristo todo
inteiro.
Consagração de duas espécies
Apesar desse fato, a que os
fiéis devem atribuir uma certeza absoluta, era muito legítimo se estabelecesse o
preceito de fazerem-se duas Consagrações separadas.
Em primeiro lugar, para
realçar melhor a Paixão de Nosso Senhor, na qual o Sangue se separou do Corpo.
Por esse motivo, na Consagração, nos referimos ao Sangue que foi derramado.
Depois, como se destinava à
nutrição de nossa alma, era absolutamente razoável que o Sacramento fosse
instituído à maneira de comida e bebida, que constituem, na opinião geral, os
componentes da boa alimentação para o organismo.
F)
Presença de Cristo em cada partícula das espécies
Na explicação, porém,
cumpre não omitir que Cristo está todo presente não só em cada uma das espécies,
mas também em cada parcela de ambas as espécies.Assim
escreveu Santo Agostinho em suas obras: "Cada
qual recebe Cristo Nosso Senhor, e em cada porção está Ele todo presente. Não
fica menor, quando repartido a cada um individualmente, e dá-Se todo a cada um
dos comungantes".
Além disso, pode-se
facilmente comprovar a mesma verdade através dos textos evangélicos. Não é
também de supor que Nosso Senhor consagrasse com forma própria cada pedaço de
pão, mas que pela mesma forma consagrou, ao mesmo tempo, todo o pão suficiente
para a celebração dos Sagrados Mistérios, e para a distribuição aos Apóstolos.
Quanto ao Cálice, não padece dúvida que assim procedeu, porquanto Ele mesmo
disse:"Tomai e reparti entre vós" (Lc
22, 17).
As explicações dadas até
agora destinam-se aos pastores, para que possam demonstrar como no Sacramento da
Eucaristia se contém o verdadeiro Corpo e Sangue de Cristo.
VII.2. Cessação das substâncias do pão e do vinho
Agora devem os pastores
tratar do segundo ponto já mencionado, ensinando
que, após a Consagração, não permanecem as substâncias do pão e do vinho. Pode
este Mistério provocar justamente a mais forte admiração, mas é uma conseqüência
necessária da doutrina que acabamos de demonstrar.
Na verdade, se
depois da Consagração o verdadeiro Corpo de Cristo está presente debaixo das
espécies do pão e do vinho, uma
vez que antes ali não estava, era necessário que isso se efetuasse, ou por
mudança de lugar, ou por criação, ou pela conversão de outra coisa nesse mesmo
Corpo.
Ora, é certo que não podia
o Corpo de Cristo estar presente no Sacramento, por mudança de um lugar para
outro. Nesse caso, viria a deixar as mansões celestiais, pois nada se move, sem
abandonar o lugar donde parte o movimento.
Mais absurdo seria
admiti-se uma nova criação do Corpo de Cristo, de sorte que tal hipótese nem
pode ser levada em consideração.
Resta, portanto, uma única
possibilidade: o Corpo de Nosso
Senhor está presente no Sacramento, porque o pão se converte no próprio Corpo de
Cristo. Como conseqüência,
devemos admitir que não remanesce coisa alguma da substância do pão.
A)
Doutrina da Igreja
Foi esta razão que levou os
Padres e Teólogos da antigüidade a confirmarem abertamente a verdade deste
dogma, pelos decretos do Concílio Ecumênico de Latrão e do Concílio de Florença.
Mais explícita, porém, é a definição do Concílio Tridentino: "Seja
anátema quem disse que no Sacrossanto Sacramento da Eucaristia remanesce a
substância do pão e do vinho, juntamente com o Corpo e Sangue de Nosso Senhor
Jesus Cristo".
Sagrada Escritura
Mas era fácil também
tirar-se esta conclusão dos testemunhos da Escritura. Em primeiro lugar, porque
o próprio Nosso Senhor havia dito na instituição deste Sacramento:"Isto
é o Meu Corpo". A palavra "isto" designa,
pelo seu sentido, toda a substância de uma coisa presente. Ora, se persistisse a
substância do pão, em hipótese alguma poderia Ele dizer com propriedade: "Isto
é o Meu Corpo".
No Evangelho de São João,
diz ainda Cristo Nosso Senhor: "O pão que Eu darei, é a Minha Carne para a
vida do mundo" (Jo 6, 52).
Chama, pois, ao pão a Sua Carne. Mais adiante acrescentou: "Se
não comerdes a Carne do Filho do Homem, e não beberdes o Seu Sangue não tereis a
vida em vós" (Jo 6, 53). Em
seguida rematou: "A Minha Carne
é verdadeiramente comida, e o Meu Sangue é verdadeiramente bebida" (Jo
6, 56).
Se em termos tão claros e
incisivos designa Sua Carne como pão e verdadeiro alimento, e Seu Sangue como
bebida igualmente verdadeira, prova é suficiente de que Cristo dava a entender
que, no Sacramento, não restava nenhuma substância de pão nem de vinho.
Santos Padres
Quem versar os Santos
Padres, desde logo verá que foram sempre unânimes na exposição desta doutrina.
Santo Ambrósio, por
exemplo, escreve nestes termos: "Tu
dizes talvez: o meu pão é pão comum. No entanto, este pão é pão antes das
palavras sacramentais. Logo que se realiza a Consagração, de pão que é, torna-se
Carne de Cristo". E a provar, mais comodamente, as suas afirmações, aduz
ele muitos exemplos e semelhanças.
Noutro lugar, onde se põe a
interpretar a passagem "O
Senhor fez tudo quanto queria no céu e na terra" (Sl
134, 6), tece o seguinte comentário: "Com
serem as aparências de pão e de vinho, todavia devemos crer que, feita a
Consagração, nelas não existe outra coisa senão a Carne e o Sangue de Cristo".
Santo Hilário, por sua vez,
expõe a mesma doutrina quase pelas mesmas palavras. Ensina que o Corpo e o
Sangue de Nosso Senhor estão verdadeiramente presentes, ainda que por fora só se
veja a representação de pão e de vinho.
O "Pão" Eucarístico
Nesta altura, façam ver os
pastores que não é para admirar se depois da Consagração ainda falamos de "pão".
Implantou-se o costume de chamar assim à Eucaristia, já porque tem as aparências
de pão, já porque conserva a virtude natural de nutrir e sustentar o corpo,
qualidade intrínseca de todo pão.
Além do mais, as Escrituras
costumam chamar as coisas pelas suas aparências, assim como claramente nos
mostra aquela passagem do Gênesis, na qual se diz "terem
aparecido a Abraão três homens" (Gn
18, 2), que na realidade eram três Anjos E "aqueles dois" que apareceram aos
Apóstolos, na Ascensão de Cristo Nosso Senhor aos Céus, são chamados "homens",
apesar de serem Anjos (At 1, 20).
B)
Explicação do mistério
Dificílima se torna, sob
todos os pontos de vista, uma explicação mais ampla deste mistério. Ainda assim,
tentarão os pastores explicar a maneira dessa admirável conversão, pelo menos
aos que forem mais versados nos Mistérios Divinos. Quanto aos menos instruídos,
seria para temer que não suportem o peso da doutrina.
Essa conversão se opera de
tal sorte que, pelo poder de Deus, a substância total do pão é convertida na
substância total do Corpo de Cristo, e a substância total do vinho na substância
total do Sangue de Cristo, sem que Nosso Senhor sofra qualquer alteração de Sua
natureza. Pois Cristo ali não é gerado, nem mudado, nem aumentado, mas permanece
na integridade de Sua substância.
Santos Padres
Na explicação deste
Mistério, diz Santo Ambrósio: "Vês
como é eficiente a palavra de Cristo. Se a palavra do Senhor Jesus é de tanta
virtude, que fez começar o que não existia, como por exemplo o mundo, quanto
mais eficiência não terá para conservar as coisas já existentes e convertê-las
em outras".
No mesmo sentido escreveram
também outros Padres antigos, muito respeitáveis pela autoridade de sua
doutrina. Diz Santo Agostinho: "Cremos
que, antes da Consagração, subsistem o pão e o vinho, conforme os fez a
natureza; mas, depois da Consagração, existem a Carne e o Sangue de Cristo, que
a palavra da bênção consagrou".
São João Damasceno se
exprime assim: "O Corpo está
realmente unido à Divindade, o mesmo Corpo tomado do seio da Santíssima Virgem;
não porque esse Corpo desça do Céu para onde havia subido, mas porque o próprio
pão e o vinho se convertem no Corpo e no Sangue de Cristo";
Transubstanciação
É com justeza e
propriedade, observa o Concílio de Trento, que a Santa Igreja Católica chama de "transubstanciação" essa
portentosa conversão. Assim como a geração natural pode, adequadamente,
chamar-se "transformação",
porque nela se efetua uma mudança de forma; assim também foi com muito acerto
que nossos maiores inventaram o termo "transubstanciação";
porquanto, no Sacramento da Eucaristia, a substância total de uma coisa se
converte na substância de outra coisa.
Cumpre-nos, entretanto,
lembrar aos fiéis uma recomendação, que os Santos Padres sempre tornavam a
encarecer. É que se não deve
investigar, com excessiva curiosidade, de que maneira se processa essa
conversão, pois não a podemos perceber com os sentidos, nem encontramos fato
análogo nas mudanças da natureza, nem até na própria criação das coisas. Só pela
fé podemos saber o que ela vem a ser, mas não devemos inquirir curiosamente a
maneira de sua realização.
Não menos avisados sejam os
pastores na exposição daquele
outro mistério, isto é, de como o Corpo de Cristo Nosso Senhor se contém todo
até na mínima partícula de pão. Raras
vezes haverá necessidade de tais explanações; mas, quando as exigir a caridade
cristã, lembrem-se os pastores, em primeiro lugar, de premunir os ânimos dos
fiéis com aquela palavra inspirada: "A
Deus nada é impossível" (Lc
I, 37).
Presença substancial
e não local
Ponham-se então, a ensinar
que Cristo Nosso Senhor não está neste Sacramento como que num lugar. Nos
corpos, lugar é um resultante natural de suas próprias dimensões. Segundo a
nossa doutrina, Cristo não está no Sacramento, enquanto é grande ou pequeno – o
que exprime quantidade – mas está presente como substância. Ora, a
substância do pão converte-se na substância de Cristo, e não em Sua grandeza ou
quantidade.
Sem dúvida alguma, uma
substância tanto se contém num espaço pequeno como num grande. Assim é que a
substância e natureza do ar está toda numa pequena porção de ar, da mesma forma
que se encontra num grande volume. Por igual razão, num pequeno vaso se contém
necessariamente toda a natureza da água, como a que existe num rio volumoso.
Portanto, já que o Corpo de
Nosso Senhor se substitui à natureza do pão, força é dizer que Ele está no
Sacramento, do mesmo modo que estava a substância do pão, antes de ser
consagrada. Para esta, porém, tanto fazia encontrar-se em maior ou menor
quantidade.
VII. 3. Subsistência das espécies sem a sua própria substância
Resta considerar um
terceiro ponto, que parece ser a mais sublime e maravilhosa particularidade
deste Sacramento. Sua explicação, porém, já será mais fácil aos pastores, depois
de terem desenvolvido os dois pontos anteriores. É
que neste Sacramento as espécies de pão e de vinho subsistem, sem nenhuma
substância que lhes sirva de suporte.
Como há pouco se
demonstrou, neste
Sacramento está realmente o Corpo e o Sangue de Nosso Senhor, de sorte
que já não subsiste nenhuma substância de pão e de vinho, pois tais acidentes
não podem ficar inerentes ao Corpo e ao Sangue de Cristo. Portanto,
a única explicação possível é que eles se sustentam por si mesmos, sem se
firmarem em nenhuma substância, por um processo que transcende todas as leis da
natureza.
Esta é a doutrina que a
Igreja sempre manteve como certa. Pode, por sua vez, ser facilmente comprovada
pelos mesmos testemunhos que serviram, anteriormente, para evidenciar que, na
Eucaristia, não resta nenhuma substância de pão e de vinho.
No entanto, pondo de parte
estas questões mais difíceis, o que mais importa à piedade dos fiéis é
reverenciar e adorar a majestade deste admirável Sacramento,e
considerar, além disso, a infinita Providência de Deus, porquanto estabeleceu a
administração dos Sacrossantos Mistérios debaixo das espécies de pão e de vinho.
Com efeito, em sua
natureza normal, o homem sente a máxima repugnância em comer carne humana ou
tomar sangue humano. Foi,
portanto, uma graça de infinita sabedoria, que Deus nos fizesse administrar o
Santíssimo Corpo e Sangue nas espécies de pão e de vinho, que são os mais
acessíveis e mais deleitáveis de nossos alimentos cotidianos.
Aqui entram também em
consideração duas outras vantagens. A
primeira é ficamos a coberto de aleivosas acusações, a que dificilmente
poderíamos escapar, se os incrédulos nos vissem comer a Carne de Nosso Senhor em
sua forma natural.
A segunda é que essa
maneira de tomar o Corpo e o
Sangue de Nosso Senhor promove, em grau eminente, a fé de nossos próprios
corações, porque não podemos averiguar, com os sentidos, a realidade de Sua
presença. A isto se refere
aquela frase tão conhecida de São Gregório: “Não
há lugar para merecimento, onde a certeza provém da própria razão humana”.
Estas verdades, que estamos
a explicar, os pastores não as devem propor senão com grande cautela, atendendo
ao nível intelectual dos ouvintes e à necessidade das circunstâncias.
A
CONVERSÃO DO PÃO E DO VINHO
NO
CORPO E NO SANGUE DE CRISTO
Santo Tomás de Aquino
(Suma Teológica, III, q.75,
a.1)
“Hilário diz: “Não
se pode pôr em dúvida a verdade da Carne e do Sangue de Cristo. De fato, pela
declaração do próprio Senhor e por nossa fé, a sua Carne é verdadeiramente
comida e o seu Sangue é verdadeiramente bebida”. E
Ambrósio acrescenta: “Como o
Senhor Jesus Cristo é o verdadeiro Filho de Deus, assim também é sua verdadeira
Carne que comemos e seu verdadeiro Sangue que é uma bebida”.
“Que o verdadeiro
Corpo e Sangue de Cristo estejam no sacramento não se pode apreender pelo
sentido, mas somente pela fé, que se apóia na autoridade divina. Por
isso, o texto do Evangelho de Lucas “Isto
é o meu Corpo dado por vós” (Lc
22, 19) é comentado por Cirilo: “Não
duvides que seja verdade, mas antes aceita as palavras do Salvador na fé: pois,
sendo a verdade, não mente”.
1°. Isto
está de acordo, primeiramente, com a perfeição da Nova Lei. Pois, os sacrifícios
da antiga lei continham este verdadeiro sacrifício da paixão de Cristo, somente
em figura, como se diz na Carta aos Hebreus: “Possuindo
apenas o esboço dos bens futuros, e não a expressão mesma das realidades” (Hb
10, 1). Por isso, foi necessário que o sacrifício da Nova Lei, instituído por
Cristo, tivesse algo a mais, a saber que ele contivesse a Cristo na sua paixão,
não somente no significado e na figura, mas também na verdade da realidade. E,
por isso, este sacramento, que contém realmente o próprio Cristo, como diz
Dionísio, “é a perfeição de
todos os outros sacramentos”, nos quais a força de Cristo é participada.
2°. Isto
convém à caridade de Cristo, pela qual ele assumiu um verdadeiro corpo humano em
vista de nossa salvação. E porque é muitíssimo próprio da amizade, segundo
Aristóteles, conviver com os amigos, ele nos prometeu em recompensa a sua
presença corporal, como está no Evangelho de Mateus: “Onde
quer que esteja o cadáver, ali se reunirão os abutres” (Mt
24, 28). Neste interim, porém, não nos privou de sua presença corporal nesta
nossa peregrinação, mas pela verdade de seu Corpo e Sangue uniu-nos a si nesse
sacramento. Ele mesmo diz: “Aquele
que come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele” (Jo
6, 57). Por isso, este sacramento é o sinal de maior caridade e reconforto de
nossa esperança por causa da união tão familiar de Cristo conosco.
3°. Isto
convém à perfeição da fé, que se refere tanto à divindade de Jesus quanto a sua
humanidade, como diz o Evangelho: “Vós
credes em Deus, crede também em mim”(Jo 14, 1). E
porque a fé trata de realidades invisíveis, como Cristo nos manifesta
invisivelmente a sua divindade, assim também neste sacramento nos manifesta a
sua carne de modo invisível.
Não atinando com isto,
alguns afirmaram que o Corpo e Sangue de Cristo não está nesse sacramento a não
ser com em sinal. O que se deve rejeitar como herético, já que contrário às
palavras de Cristo. Por isso, Berengário, iniciador desse erro, foi em seguida
obrigatório a abjurá-lo e confessar a verdadeira fé".
VIII. Valor e efeitos da Eucaristia.
No entanto, com relação ao
que se pode dizer da admirável virtude e dos frutos deste Sacramento, não há
nenhuma classe de fiéis, para os quais esse conhecimento não seja possível, e
até sumamente necessário. Força é reconhecer que, se alargamos bastante a
explicação deste Sacramento, temos por fim principal que os fiéis compreendam a
utilidade da Eucaristia.
Como, porém, não há termos
humanos que possam exprimir, adequadamente, suas imensas vantagens e aplicações,
os pastores procurarão, pelo menos, tratar um ou outro ponto, para mostrarem
quanta não é a abundância e afluência de todos os bens, que se encerram nestes
Sagrados Mistérios.
VIII.
1. Fonte de todas as graças
Conseguirão demonstrá-lo,
até certo ponto, se, depois de exposta a virtude e a natureza de todos os
Sacramentos, compararem a Eucaristia a uma fonte viva, e os demais a rogos de
água. Na verdade, a Eucaristia
deve ser forçosamente considerara como a fonte de todas as graças; porquanto
encerra em si, de modo admirável, a própria fonte de todos os dons e carismas
celestiais, Cristo Senhor Nosso, o Autor de todos os Sacramentos, do qual
promanam, como de uma fonte, todos os valores e perfeições que possa haver nos
demais Sacramentos. Sendo
assim, podemos sem mais concluir que desta fonte da divina graça procedem os
imensos benefícios que nos são dispensados neste Sacramento.
VIII.
2. Efeitos como alimento espiritual
Muito prático será também
considerar, como ponto de partida, a própria natureza do pão e do vinho,
enquanto são os sinais simbólicos deste Sacramento.
Os mesmos efeitos que o pão
e o vinho produzem no corpo, a Eucaristia também os produz todos, de modo mais
elevado e mais perfeito, para a salvação e bem-aventurança da alma.
a)
Viver por Cristo (graça santificante)
Verdade é que este
Sacramento não se assimila à nossa natureza, como o faz o pão e o vinho; mas
somos nós que de certo modo nos convertemos em sua natureza. Cabem aqui aquelas
palavras de Santo Agostinho: “Alimento
sou das grandes almas. Fazes por crescer, e ter-Me-ás por alimento. Não Me
converterás em ti, como o fazes com o alimento do teu corpo, mas em Mim te
converterás a ti mesmo”.
Ora, se “por
Jesus Cristo vieram a graça e a verdade” (Jo
1, 17), é mister que uma e outra se derramem na alma de quem, com retidão e
piedade, recebe Aquele que disse de Si mesmo: “Quem
come a Minha Carne e bebe o Meu Sangue, permanece em Mim e Eu nele” (Jo
6, 57).
Sem dúvida alguma, quem
toma este Sacramento, com fervor e piedade, de tal maneira acolhe dentro de si o
Filho de Deus, que se integra em Seu Corpo como um membro vivo, de acordo com o
que está escrito: “Aquele que
Me toma por alimento, viverá por Minha causa” (Jo
6, 57). Da mesma forma: “O pão
que Eu darei, é a Minha Carne para a vida do mundo” (Jo
VI, 56).
Num comentário desta
passagem, ponderava São Cirilo: “O
Verbo de Deus, em Se unindo à própria carne, deu-lhe a virtude de vivificar.
Portanto, nada é mais consentâneo de que Ele se una aos nossos corpos, de um
modo misterioso, mediante a Sua sagrada Carne e o Seu precioso Sangue, que
recebemos, no pão e no vinho, pela bênção vivificante [da Consagração]”.
Como se diz que a
Eucaristia confere a graça, devem os pastores observar que isto não é para se
entender, como se não fosse
preciso adquirir antes o estado de graça, quando alguém quer receber
este Sacramento, de maneira real e frutuosa.
Assim como a um cadáver
nada aproveita o alimento natural, assim também é coisa vista que os Sagrados
Mistérios não aproveitam, de modo algum à alma que esteja privada da vida
sobrenatural. A presença das espécies de pão e de vinho indica também que eles
foram instituídos, não para restituir, mas para conservar a vida da alma.
Há razões para assim
falarmos. A graça primeira, com
a qual devem estar previamente ornados todos aqueles que se atrevem a tocar com
a boca a Sagrada Eucaristia, para não comerem e beberem a sua própria
condenação, ela não é dada a ninguém que não tenha, pelo menos, o desejo e a
intenção de receber este Sacramento. Pois a Eucaristia é o fim de todos os
Sacramentos, é o emblema da mais estreita unidade da Igreja. E, fora da Igreja,
ninguém pode conseguir a graça.
b)
Fortalecimento da alma, e gosto pelas coisas divinas.
Outra razão. O alimento
espiritual não só conserva o corpo, mas também o faz crescer. Ao paladar,
proporciona-lhe todos os dias novos prazeres e regalos. É o que também faz o
alimento da Eucaristia. Não só
sustenta a alma, mas dá-lhe também novas forças; faz com que o espírito se deixe
enlevar cada vez mais pelo gosto das coisas divinas. Por
conseguinte, razões há para se dizer, com toda a justeza e verdade, que este
Sacramento confere a graça por excelência. Com fundamento, pode comparar-se ao
“maná”, no qual se experimentava “a suavidade de todos os sabores” (Sb 16, 20).
c)
Extinção das faltas veniais
Não devemos tampouco
duvidar que a Eucaristia tem por efeito remitir e apagar os pecados mais leves,
pecados veniais, como se diz de ordinário. O que a alma perde, pelo ardor das
paixões, quando comete pequenas faltas em matéria leve, a Eucaristia lho
restitui integralmente, pela eliminação das próprias faltas menores.
Para não nos afastarmos da
comparação feita, isso tem analogia com o processo, pelo qual sentimos o
alimento natural aumentar e refazer, aos poucos, as calorias que se gastam e
perdem em combustão diária.
Assiste-lhe, pois, toda a
razão, quando Santo Ambrósio diz deste celestial Sacramento: “Toma-se
este pão de cada dia, para remediar as fraquezas de cada dia”. Isto,
porém, só tem aplicação aos pecados, em que a alma se não deixa levar a um
consentimento plenamente voluntário.
d)
Preservação de pecados mortais
Os Mistérios Eucarísticos
possuem ainda a virtude de conservar-nos puros e limpos de pecados mortais,
indenes nos assaltos das tentações, premunindo a alma com uma espécie de remédio
celestial, para que o veneno de alguma paixão mortífera não a possa facilmente
contagiar e corromper.
Por isso mesmo, como no-lo
atesta São Cipriano, quando os tiranos da época arrastavam, arbitrariamente, os
fiéis aos suplícios e à pena de morte, por terem confessado a sua fé cristã, era
antigo costume da Igreja Católica administrarem-lhes os Bispos o Sacramento do
Corpo e Sangue de Nosso Senhor, para que [os mártires] não desfalecessem nessa
luta pela salvação, assoberbados talvez pela veemência das dores.
e)
Moderação da concupiscência
Ademais, a Eucaristia
refreia e modera as paixões da carne; pois, na medida que vai abrasando os
corações com o fogo da caridade, abafa necessariamente os ardores da má
concupiscência.
f)
Penhor da vida eterna
Afinal, para exprimir, numa
só fórmula, todos os frutos e graças deste Sacramento, cumpre-nos dizer que a
Sagrada Eucaristia é sumamente eficaz para nos conseguir a vida eterna, pois
está escrito: “Quem come a
Minha Carne e bebe o Meu Sangue, tem a vida eterna, e Eu o ressuscitarei no
último dia” (Jo 6, 55).
Pela graça deste
Sacramento, os fiéis gozam, já em vida, da maior paz e tranqüilidade de
consciência. Chegado
que for o momento de deixarem o mundo, subirão para a eterna glória e
bem-aventurança, fortalecidos pela sua virtude, à semelhança de Elias que, com o
vigor de um pão cozido debaixo da cinza, caminhou até Horeb, a montanha de Deus
(I Rs 19, 8).
Podem os pastores
desenvolver, amplamente, todas estas doutrinas, ou tomando a explicação do sexto
capítulo de São João, em que se mostram vários efeitos deste Sacramento; ou
percorrendo os feitos admiráveis de Cristo Nosso Senhor, para evidenciar quanta
razão temos de julgar muito felizes todos aqueles que O receberam em casa,
durante a Sua vida mortal, ou recuperaram a saúde, ao tocarem as Suas vestes ou
a fímbria de Sua túnica, mas que muito mais felizes e venturosos somos nós, pois
Ele não despreza de entrar em nossas almas, revestido de glória imortal, para
lhes curar todas as feridas, paras as unir a Si mesmo, depois de tê-las ornado
com os mais ricos dons de Sua graça.
IX. Sujeito da Eucaristia.
Agora, porém, é preciso
ensinar que pessoas estão em condições de receber os incalculáveis frutos da
Sagrada Eucaristia, ainda há pouco mencionados; cumpre dizer também que são
várias as maneiras de comungar, para que o povo cristão aprenda a desejar“melhores
dons espirituais” (I Cor 12,
31).
IX. 1.
Três modos de comungar
A)
Comunhão indigna
Conforme lemos no Concílio
Tridentino, nossos antigos mestres distinguiam, com muito acerto, três modos de
se receber este Sacramento.
Alguns cristãos só recebem
o Sacramento. São os pecadores, que não hesitam em tomar os Santos Mistérios,
com a boca e o coração manchados de impureza. São eles que, no dizer do
Apóstolo, “comem e bebem
indignamente o Corpo de Nosso Senhor” (I
Cor 11, 29). Deles escreve Santo Agostinho: “Quem
não permanece em Cristo, e no qual Cristo por sua vez não permanece, esse não
come espiritualmente a Sua Carne, embora tenha entre os dentes, de maneira
carnal e sensível, o Sacramento de Seu Corpo e Sangue”. Por conseguinte,
quem nesse estado de alma recebe os Santos Mistérios, além de não auferir fruto
algum, “come e bebe a sua
própria condenação”, como no-lo atesta o mesmo Apóstolo.
B)
Comunhão espiritual
Muitos recebem a Eucaristia
só espiritualmente, como se costuma dizer. São aqueles que se nutrem deste Pão
Celestial, pelo desejo e a intenção de recebê-lo, animados de uma fé viva,
“que se torna operosa pela caridade” (Gl
5, 6). Por essa prática, alcançam, se não todos os frutos, pelos menos grande
abundância deles.
C)
Comunhão digna e sacramental
Outros há, enfim, que tomam
a Eucaristia, sacramental e espiritualmente. São os que se examinam antes a si
mesmos, como o requer o Apóstolo, e se adornam com a veste nupcial, para então
chegarem à Mesa Divina. Assim auferem da Eucaristia aqueles ubérrimos frutos, de
que já fizemos menção.
Em vista de tais razões,
compreendemos, claramente, como se privam, dos maiores bens sobrenaturais, as
pessoas que podem preparar-se para a recepção sacramental do Corpo de Nosso
Senhor, mas só se contentam de fazer a Comunhão espiritual.
IX. 2.
Preparação para a Comunhão Sacramental
A seguir, devemos expor
quais disposições deve haver na alma dos fiéis, antes que eles recebam
sacramentalmente a Eucaristia.
A)
Necessidade
Em primeiro lugar, para que
se reconheça que tal preparação é sumamente necessária, cumpre aduzir o exemplo
de Nosso Salvador. Antes de dar aos Apóstolos o Sacramento do Seu precioso Corpo
e Sangue, Cristo “lavou-lhes os
pés, apesar de que [os Apóstolos] já estavam puros” (Jo
13, 5ss). Queria, assim, indicar como devemos ter todo o cuidado de que nada
falte à máxima pureza e retidão de nossa alma, quando vamos receber os Mistérios
Eucarísticos.
Depois, devem os fiéis
compreender o seguinte. Quem toma a Eucaristia, com boas e santas disposições, é
provido com os mais abundantes dons da graça divina. Em razão inversa, quem
comunga sem estar preparado, não só nenhum proveito tira, mas até incorre em
muitos danos e prejuízos.
Como é notório, existe, nas
coisas mais úteis e salutares, a propriedade de sortirem os melhores efeitos,
quando aplicadas a propósito: e de causarem ruína e destruição, quando aplicadas
fora do momento oportuno. Não é, pois, de estranhar, que estes imensos e
preciosos dons de Deus nos ajudem, poderosamente, a conseguir a glória
celestial, quando os recebemos com boas disposições; e que ao invés produzam em
nós a morte eterna, se deles nos fazemos indignos [por falta de boa preparação].
Disso temos uma prova cabal
no exemplo da Arca do Senhor, que os Israelitas prezavam acima de todas as
coisas. Por ela, o Senhor lhes havia dispensado um sem-número dos maiores
benefícios. Aos filisteus, porém, que a tinham roubado, a Arca da Aliança
acarretou-lhes uma peste maligna, e um flagelo que os cobria de eterna vergonha.
Assim também acontece com
os alimentos. Quando ingeridos por um estômago bem disposto, sustentam e
fortalecem o organismo. Se entram, porém, num estômago viciado, provocam até
graves enfermidades.
B)
Preparação da alma
Fé
inabalável
A primeira coisa que os
fiéis devem fazer, como preparação, é distinguir entre mesa e mesa, entre esta
Mesa Sagrada e as outras profanas, entre este Pão do Céu e o pão comum. De fato
faremos tal distinção, se crermos que ali está presente o verdadeiro Corpo e
Sangue de Nosso Senhor, que os Anjos adoram no Céu (Sl 96, 8); a cujo aceno
estremecem e vacilam as colunas do firmamento (Jó 24, 11); e de cuja glória
estão cheios o céu e a terra (Is 6, 3).
Realmente, nisso consiste o “distinguir
o Corpo do Senhor”, como recomendava o Apóstolo. Sem
embargo, devemos antes reverenciar, silenciosamente, a grandeza desse Mistério,
em vez de querermos devassar a sua realidade com investigações impertinentes.
Sincera
caridade fraterna
O segundo ponto de
preparação, absolutamente indispensável, consiste em examinar-se cada qual a si
mesmo, se vive em paz com os outros, se ama realmente ao próximo de todo o
coração. “Portanto, se
apresentas tua oferta diante do altar, e aí te lembras que teu irmão tem motivo
de queixa contra ti, deixa a tua oferenda diante do altar, vai primeiro
reconciliar-se com teu irmão, e vem depois fazer a tua oferta” (Mt
5, 23ss).
Prévia
confissão dos pecados mortais
Em seguida, devemos
examinar, cuidadosamente, a nossa consciência, se não está talvez manchada de
alguma culpa mortal, de que precisamos penitenciar-nos. Ela deve ser extinta,
antes de comungarmos, pelo remédio da contrição e da Confissão. Pois o Santo
Concílio de Trento decretou que ninguém pode receber a Sagrada Eucaristia, se a
consciência o acusa de algum pecado mortal; embora se julgue contrita, deve a
pessoa purificar-se, antes, pela Confissão sacramental, contanto que haja a
presença de um sacerdote.
Sentimentos de humildade
Afinal, devemos considerar,
no silêncio de nossas almas, quanto somos indignos desta divina mercê que o
Senhor nos dispensa. De todo o coração, repetiremos aquelas palavras do
Centurião, a cujo respeito o próprio Salvador disse que não havia encontrado
tanta fé em Israel: “Senhor, eu
não sou digno de que entreis em minha casa” (Mt
8, 8-10).
Vejamos, outrossim, se
podemos fazer nossa aquela declaração de São Pedro:“Senhor, Vós sabeis que
eu Vos amo” (Jo 21, 17). Pois
não devemos esquecer: Aquele que, “sem
a veste nupcial tomara lugar no banquete do Senhor, foi lançado num cárcere
tenebroso” (Mt 22, 11), e
condenado a penas eternas.
C)
Preparação do corpo
De mais a mais, não só a
alma, mas também o corpo precisa de certas disposições.Para nos
aproximarmos da Sagrada Mesa, devemos estar em jejum, de sorte que não tenhamos
comido nem bebido nada em absoluto, desde a meia-noite antecedente até o momento
de recebermos a Sagrada Eucaristia (*atualmente,
basta uma hora de jejum antes da Comunhão).
Requer ainda a dignidade de
tão sublime Sacramento que as pessoas casadas se abstenham por alguns dias, a
exemplo de Davi que, antes de receber do sacerdote os pães de proposição,
afiançou que ele e seus soldados, desde três dias, estavam longe das esposas.
São estas, pouco mais ou
menos, as condições principais que os fiéis devem levar em conta, a fim de se
prepararem para uma frutuosa recepção dos Sagrados Mistérios. Outras disposições
ainda, que se refiram à preparação, podem facilmente reduzir-se aos pontos já
especificados.
IX. 3.
Freqüência da Comunhão
A) A
desobriga da Páscoa
Para evitar que alguns
talvez se descuidem de receber este Sacramento, por acharem dura e incômoda tão
grande preparação, devem os pastores advertir muitas vezes os fiéis da
existência de um preceito que obriga todos a receberem a Sagrada Eucaristia.
Além disto, determinou a Igreja que de seu grêmio seja excluído quem não
comungar ao menos uma vez cada ano, por ocasião da Páscoa
(* esta pena de excomunhão
foi abolida).
B)
comunhão freqüente, até diária
Não se contentem os fiéis
de receber o Corpo de Nosso Senhor uma única vez cada ano, para se submeterem à
determinação do decreto. Persuadam-se, pelo contrário, de que é preciso fazer
mais vezes a Comunhão Sacramental. Todavia, não se pode dar a todos uma norma
determinada, se lhes é mais aconselhável comungar todos os meses, todas as
semanas, ou todos os dias. Ainda assim, temos por muito acertada aquela regra de
Santo Agostinho: “Faze por
viver de tal modo, que possas comungar todos os dias”.
Será, pois, um dever do
pároco exortar, assiduamente, os fiéis a que se não descuidem de alimentar e
fortalecer, todos os dias, as suas almas pela recepção deste Sacramento, do
mesmo modo que também julgam necessário proporcionar ao corpo uma alimentação
diária. Compreende-se, perfeitamente, que a alma não tem menos necessidade do
alimento espiritual, que o corpo do sustento material.
Neste passo, será de muito
proveito lembrar-lhes, de novo, os imensos benefícios divinos, que nos obtém a
Comunhão Sacramental da Eucaristia, conforme já ficou provado anteriormente.
Acrescente-se também aquela
figura do “maná, que devia refazer todos os dias as forças do corpo” (Ex 16,
4ss). Da mesma forma, vejam-se as declarações dos Santos Padres, que muito
encareciam a recepção freqüente deste Sacramento. Entre os Padres da Igreja,
Santo Agostinho não era o único a perfilhar a seguinte doutrina: “Tu pecas mesmo
todos os dias. Comunga, pois, todos os dias”. Quem investigar atentamente, há de
logo reconhecer uma perfeita conformidade de doutrina entre todos os Santos
Padres, que se ocuparam do assunto em suas obras.
C)
Histórico da recepção da Comunhão
Antigamente, conforme se
deduz dos Atos dos Apóstolos, houve tempos em que os fiéis recebiam todos os
dias a Eucaristia. Todos os que professavam a fé cristã, ardiam em tão real e
sincera caridade que, entregues continuamente a orações e outros exercícios da
religião, tinham todos os dias as devidas disposições, para receberem o Santo
Sacramento do Corpo de Nosso Senhor.
Esse costume, que estava em
visível decadência, foi mais tarde parcialmente restaurado por Santo Anacleto,
Papa e mártir, quando ordenou que, à Missa, comungassem os ministros
assistentes, afirmando ser tal exigência de instituição apostólica.
Na Igreja, houve também por
muito tempo o costume que, ao terminar o Sacrifício, o sacerdote, depois de sua
própria Comunhão, se volvesse ao povo ali presente, e convidasse os fiéis para a
Sagrada Mesa, dirigindo-lhes estas palavras: “Vinde,
irmãos, à Comunhão!”. Então,
os que estavam preparados, recebiam os Santos Mistérios com a maior piedade.
Mais tarde, arrefecendo o
amor e a devoção, a ponto de serem muito raros os fiéis que freqüentavam a
Sagrada Eucaristia, decretou o Papa Fabiano recebessem todos a Comunhão três
vezes por ano, no Natal do Senhor, na Ressurreição, e em Pentecostes.
Depois, foi esta
determinação confirmada por muitos Concílios, mormente pelo Primeiro Concílio de
Agda. Por último, como os fiéis chegassem ao extremo de não só abandonar a
observância daquele salutar preceito, mas até de diferir por muitos anos a
Comunhão da Sagrada Eucaristia, prescreveu o Concílio de Latrão que todos os
fiéis recebessem o Sagrado Corpo de Nosso Senhor, ao menos uma vez cada ano, por
ocasião da Páscoa; e que fossem excluídos do grêmio da Igreja todos aqueles que
o deixassem de fazer.
A Comunhão
das crianças
Promulgada pela autoridade
de Deus e da Igreja, essa obrigação abrange todos os fiéis. Muito embora, devem
os pastores ensinar que dela estão excetuados todos aqueles que, por
insuficiência de idade, ainda não chegaram ao uso da razão. Estes não sabem
distinguir a Sagrada Eucaristia do pão comum e profano, nem podem conciliar,
para a sua recepção, a devida piedade e reverência.
Isto parece também muito
contrário ao que Cristo Nosso Senhor declarou com as palavras da instituição: “Tomai
e comei”, diz Ele. Ora,
sabemos perfeitamente que as criancinhas em tenra idade não são ainda capazes de
“tomar e comer”.
Houve, sim, em alguns
lugares um costume antigo de dar-se a Sagrada Eucaristia também às criancinhas.
Mas a autoridade da Igreja fez, desde muito, cessar esse costume, já pelas
razões que acabamos de alegar, já por outros motivos que muito condizem com os
sentimentos da piedade cristã.
Quanto à idade, em que se
devem ministrar às crianças os Sagrados Mistérios, ninguém poderá melhor
determiná-la, senão o próprio pai, ou o sacerdote a quem elas confessam os seus
pecados. A eles, pois, compete averiguar, por perguntas feitas às crianças, se
já possuem alguma noção deste admirável Sacramento, e o gosto de recebê-lo.
A Comunhão
de dementes
Não se deve, muito menos,
dar o Sacramento aos alienados, que na ocasião forem incapazes de sentimentos de
piedade. Ainda assim, por decreto do Concílio de Cartago, se antes da demência
demonstraram sinceras disposições de fé e piedade, será lícito dar-lhes a
Eucaristia na hora da morte, contanto que não haja nenhum perigo de vômito, ou
de qualquer outra profanação ou inconveniência.
A Comunhão
debaixo de ambas as espécies
Acerca do rito da Comunhão,
digam os párocos que a lei da Santa Igreja proíbe a todo cristão tomar a Sagrada
Eucaristia, em ambas as espécies, a não ser que tenha autorização da mesma
Igreja. Excetuam-se os sacerdotes, quando consagram o Corpo do Senhor, no Santo
Sacrifício.
Como declarou o Concílio de
Trento, ainda que Cristo Nosso Senhor, na Última Ceia, instituiu este augusto
Sacramento sob as espécies de pão e de vinho, e assim o administrou aos
Apóstolos, daí não se segue que Nosso Senhor e Salvador estabelecesse a
obrigação de se dar, a todos os fiéis, os Sagrados Mistérios em ambas as
espécies.
Pois, ao falar deste
Sacramento, Nosso Senhor aludia muitas vezes a uma só espécie, quando, por
exemplo, declarou: “Se alguém
comer deste Pão, viverá eternamente”; “O Pão que Eu darei, é a Minha Carne para
a vida do mundo”; “Quem come deste Pão, viverá eternamente” (Jo
6, 52-59).
Compreende-se, desde logo,
serem muitas e gravíssimas as razões que induziram a Igreja, não só a confirmar
o costume de se preferir a Comunhão debaixo de uma só espécie, mas a torná-lo
até obrigatório, pela promulgação de uma lei propriamente dita.
Em primeiro lugar,
impunha-se a máxima precaução, para que se não derramasse por terra o Sangue de
Nosso Senhor. Isto, porém, parecia difícil de evitar, quando fosse necessário
ministrar o [Santíssimo Sangue] a uma grande multidão de povo.
Depois, como a Sagrada
Eucaristia devia estar sempre de reserva para os enfermos, grande perigo havia
de azedarem-se as espécies de vinho, se fora preciso guardá-las por mais tempo.
Além disso, muitas pessoas
não podem de modo algum tolerar o sabor, nem sequer o cheiro do vinho. Ora, para
não tornar nocivo ao corpo, o que se deve ministrar para a saúde da alma, com
muito acerto determinou a Igreja que os fiéis somente comungassem sob as
espécies de pão.
A estas e outras razões
acresce que, em muitas paragens, há grande escassez de vinho, o qual só pode ser
importado de outros lugares, com avultadas despesas, em longas e difíceis vias
de transporte.
Afinal, a mais imperiosa de
todas as razões era extirpar a heresia daqueles que negavam a presença total de
Cristo em cada uma das espécies, afirmando que na espécie de pão só se contém o
Corpo sem o Sangue, e o Sangue só na espécie de vinho. E assim, para que melhor
transparecesse, aos olhos de todos, a verdade do dogma católico, introduziu-se
com muito critério a Comunhão debaixo de uma só espécie, por sinal que na
espécie de pão.
Existem ainda outras
razões, colhidas pelos autores que tratam deste assunto mais em particular. Os
párocos poderão aduzi-las, se o julgarem conveniente.
Embora seja matéria que
ninguém desconhece, vamos agora discorrer acerca do ministro [da Eucaristia],
para não deixar fora nenhum ponto que pertença à doutrina deste Sacramento.
X.
MINISTRO DA EUCARISTIA – O SACERDOTE
Devemos, pois,
ensinar que só aos sacerdotes foi dado poder de consagrar a Sagrada Eucaristia,
e de distribuí-la aos fiéis cristãos. Sempre foi praxe da Igreja que o povo fiel
recebesse o Sacramento pelas mãos dos sacerdotes, e os sacerdotes comungassem
por si próprios, ao celebrarem os Sagrados Mistérios.Assim
o definiu o Santo Concílio de Trento; e determinou que esse costume devia ser
religiosamente conservado, por causa de sua origem apostólica, e
porque também Cristo Nosso Senhor nos deu o exemplo, quando consagrou Seu Corpo
Santíssimo, e por Suas próprias mãos O distribuiu aos Apóstolos.
De mais a mais, com o
intuito de salvaguardar, sob todos os aspectos, a dignidade de tão augusto
Sacramento, não se deu unicamente aos sacerdotes o poder de administrá-lo:como
também se proibiu, por uma lei da Igreja, que, salvo grave necessidade ninguém
sem Ordens Sacras ousasse tomar nas mãos ou tocar vasos sagrados, panos de
linho, e outros objetos necessários à confecção da Eucaristia.
Destas determinações podem
todos, os próprios sacerdotes e os demais fiéis, inferir quão virtuosos e
tementes a Deus devem ser aqueles que se dispõem a consagrar, a ministrar, ou a
receber a Sagrada Eucaristia.
Isto não obstante, se dos
outros Sacramentos já dizíamos que podem ser [validamente] administrados por
sacerdotes indignos, quando estes observam os requisitos necessários para a sua
confecção, outro tanto se deve dizer também com relação ao Sacramento da
Eucaristia.
Pois devemos crer
firmemente que todos esses efeitos sacramentais não se baseiam no mérito pessoal
dos ministros, mas se operam na virtude e poder de Cristo Senhor Nosso. São
estes os pontos que se devem explicar acerca da Eucaristia, considerada como
Sacramento.
créditos .
http://www.derradeirasgracas.com/2.%20segunda%20p%C3%A1gina/O%20Poder%20da%20Santa%20Missa/O%20SANT%C3%8DSSIMO%20SACRAMENTO,%20A%20EUCARISTIA..htm
créditos .
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